Odete Lara
O texto abaixo foi publicado no blog "O Pico da Montanha é onde estão os meus pés" no dia 22 de maio de 2008.
Quem quiser conhecer a nova Odete Lara, aos 77 anos, tem que aquietar o
coração, silenciar a mente, esquecer a atriz que apareceu nua nas telas
dos cinemas e dirigir-se ao distrito de Coelhos, em Ouro Preto, a 95
quilômetros de Belo Horizonte, no Templo To Guetsu, da monja zen-budista
Simone Kei Sen. Por indicação de outra adepta do budismo, a alemã Rita
Bön, mestra de sumi-ê, (uma pintura japonesa que funciona como
meditação), ela saiu do Rio de Janeiro de ônibus para passar alguns dias
em Minas, na companhia da monja Simone.
Entre montanhas azuis,
jardins e o repicar de sinos, Odete e Simone acordam cedo, às 5h da
manhã, para a cerimônia de meditação. Simone acaba de vestir o manto
sagrado para dar início ao ritual que vai até as 6h30, quando as duas
tomam o café da manhã ao ar livre, entre cortinas de voal esvoaçantes,
enormes almofadas coloridas no chão e um vento que varre as folhas de um
inverno muito seco, sem chuvas.
Ordenada monja pela segunda vez,
Simone é a anfitriã de Odete Lara e diz que está aprendendo muito com a
ex-atriz. Depois de viver uma separação conjugal e de alguns outros
percalços na vida, ela ouviu de Odete Lara que deveria "atravessar a dor
e seguir em frente". Simone tem recebido "ótimos conselhos dela".
Apesar
de nunca ter se preocupado em ser monja, Odete Lara é a própria imagem
zen. Amiga do mestre Ryotan Tokuda, hoje um missionário europeu, ela
ajudou a construir o Mosteiro Pico dos Raios em Ouro Preto. "Fui uma das
obreiras com o mestre Tokuda, a primeira pessoa a falar em ecologia no
fim dos anos 70, quando o conheci." Mas Odete não visitava Ouro Preto há
20 anos, o que fez desta vez com Simone, para matar a saudade. "O
mosteiro continua lindo, com o painel de Inimá de Paula e o Buda negro
que o mestre mandou pôr dentro da mina para reverenciar os negros que
morreram lá dentro retirando ouro."
Para Odete Lara, o que
importa atualmente é viajar, conhecer outras culturas, paisagens novas,
fazer amigos e dizer coisas do tipo: "Beleza é uma expressão da alma.
Vem de dentro da pessoa e transparece nos olhos e no rosto. Ilumina
tudo".
É por isso que ela continua mais bonita do que quando era
símbolo sexual do cinema e do teatro brasileiro nos anos 1960. Indagada
sobre as antigas amizades, ela diz que ainda encontra com um ou outro,
mas já fez novos amigos. Apesar de morar numa casa de campo em Nova
Friburgo, Odete Lara tem um apartamento pequeno, no Bairro do Flamengo,
no Rio, em frente à Baía de Guanabara. "Quando está muito frio em
Friburgo vou para o Rio, onde faço caminhadas e encontro antigos amigos
do meio artístico, troco acenos, conversas, mas estou em outra direção."
Tradutora
Longe
do sucesso há 28 anos, Odete Lara não tem celular, telefone sem fio ou
TV a cabo e resistiu às tentações do computador o quanto pôde, mas "não
tive outro jeito. Uso o computador para redigir as traduções de livros
budistas e para enviar e-mail". Afinal, ela já abriu outras janelas na
vida. "É muito pisca-pisca e mais de mil janelas que se abrem oferecendo
tudo o que você menos deseja." Reconhece, porém, os méritos da
tecnologia. "Antes, tinha que despachar tudo pelo Correio e hoje, com um
simples clicar do mouse, minhas traduções chegam a qualquer lugar do
mundo."
Odete Lara já traduziu oito dos 18 livros do mestre
vietnamita, o monge budista Thich Nhat Hanh. "Ele fala direto ao coração
das pessoas e mostra que é possível viver em paz, construtiva e
eticamente." Odete conviveu com o mestre durante quatro anos no mosteiro
da Califórnia, Estados Unidos."
As viagens em busca de um novo
sentido para a vida duraram quase 20 anos, desde o primeiro encontro com
Tokuda, em 1979. No livro Meus passos em busca da paz, da extinta
Editora Rosa dos Tempos e já esgotado, Odete Lara conta toda a sua
peregrinação interior e sua passagem pelas várias escolas de meditação
oriental, na Índia, Japão, Tibete e San Francisco. Com prefácio do
teólogo Leonardo Boff, que diz: "Já se disse que a viagem mais longa e
tormentosa não é para a Índia ou o Oriente, nem para a Lua ou para
qualquer planeta da esfera exterior. Mas para o seu interior, rumo ao
próprio coração".
A ex-atriz é a comprovação de que esse caminho é
possível. "Hoje, sou mais observadora, aprendi a dar valor ao que é
essencial na vida, a cultivar as sementes boas que cada um tem dentro de
si." Perplexa com o mundo em que vive, Odete Lara, porém, faz a sua
parte. "É muito consumismo e desrespeito ao próximo. Compreendi que não
era feliz, que esse mundo não me satisfazia, pois só pensava em mim, em
ganhar dinheiro, me divertir e ter sucesso."
Apesar da
turbulência do mundo, onde o dinheiro "é o atual Deus, o único valor
considerado, mas o menos importante", ela garante que não quer ter mais
do que precisa. E cita Gandhi: "O mundo tem capacidade de produzir para
todos, mas não suportará a ganância de poucos".
Sem nostalgia,
Odete Lara vive o momento presente. "O melhor é não ficar com a mente no
passado nem pensando no que vai acontecer no futuro. Agindo da melhor
forma agora, o futuro já está sendo garantido", ensina.
Velhice?
Ela afirma que é uma conseqüência natural da vida e que não tem medo da
morte. "Para quem viveu a maravilha dos anos 1960 e 1970, já me dou por
satisfeita. Já é o suficiente", completa, para se despedir, pois é hora
do almoço, com peixe ao molho de manga, batatas cozidas com sálvia,
arroz integral, suco de maracujá e a sobremesa elogiada por ela muitas
vezes: doce de laranja da terra e queijo-de-Minas, ofertados pela monja
Simone.
Déa Januzzi
Fonte: http://www.saudeplena.com.br/noticias/index_html?retranca=06-2708-01a&NN=06-2708-01
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