Tudo o que temos
Palestra de Doshô Saikawa Roshi
Tradução simultânea de Monge Genshô
Dosho Saikawa Roshi inicia a palestra recitando um sutra em japonês.Monge
Genshô traduz: O Sutra que ele recitou agora é: “ O Dharma
incomparavelmente profundo e de uma sutileza infinitas é raramente
encontrado mesmo em milhões de milhões de ciclos universais, possamos
nós agora ouvi-lo, aprendê-lo, guardá-lo.Ouçamos cuidadosamente as
palavras do Tathágata.”
Dosho
Saikawa Roshi: Quando dizemos o Buddha, o Dharma e a Sangha, estes três
tesouros, isso parece na nossa mente alguma coisa distante, um lugar
muito alto.Mas isto é realmente aqui e agora. Não é um lugar distante
porque tudo o que nós temos é apenas este momento.Este momento nunca vai
voltar novamente nesta eternidade deste inteiro universo.Cada momento é
apenas um momento. Não pode ser comparado com qualquer outro momento.Os
seres humanos tem tido muito progresso, muito. Assim nós temos uma
maneira de comparar com ontem, com o ano passado, assim nós podemos
pensar sobre o passado, pensar sobre o futuro e comparar um com o outro e
assim esta nossa cultura de progresso, este progresso que vem aqui e
agora. Então a atividade mental é muito boa também para os seres humanos
e por causa disso nós esquecemos que tudo o que nós temos é este aqui
agora. Não pode ser comparado com nenhum outro momento.Assim este
momento é o momento da mais alta iluminação.Por que este momento é
iluminação? Porque a cada momento nós somos um com todo o universo.
Quando eu disse durante o primeiro zazen: um espelho contém todo o
universo a cada momento, é um em todo o universo a cada momento, sem
nenhuma perda, sem nenhuma preferência, sejam um com todo o universo,
sejam um com este inteiro universo, recebam sem apego e deixem ir sem
apego.Mas se em nossas mentes nós temos apego, comparamos com as nossas
memórias e com os nossos pensamentos acerca do futuro então ao mesmo
tempo a nossa atividade mental é uma ferramenta útil, mas ao mesmo tempo
cria doença. É fácil de entender que os nossos olhos são espelhos sem
identidade própria, sem preferência, sem apego; a mesma coisa com os
ouvidos que são espelhos para sons, sem identidade, sem apego, sem
preferência.Apenas sejam um com todo o universo. Nosso nariz é um
espelho para os cheiros, sem identidade, sem apego, sem preferências e a
língua é o espelho para os gostos. Sejam um com todo o universo, sem
apego, sem preferências.Nosso corpo e nossa pele também são espelhos.
Recebam o frio e o calor, sem apego, sem preferência. Mas parece que a
nossa mente tem um self, uma identidade, porque a mente tem apego. Na
nossa mente nós temos uma lua imaginária dentro de uma gota de orvalho.
Quando a lua está no céu ela sempre está dentro da gota de orvalho,
assim parece que a lua existe dentro de uma gota de orvalho, dentro da
água, dentro do oceano. Assim realmente parece que a lua existe dentro
da água. Assim a nossa mente cria ambas as duas coisas e a doença.
No
budismo nós temos muitos tipos diferentes de análises sobre o dharma.
Os três selos do dharma: o primeiro é impermanência, todas as coisas
estão mudando, momento a momento; segundo ensinamento é não há eu em
cada dharma, em cada fenômeno; o terceiro é o nirvana, a tranqüilidade é
agora, aqui. Estas análises não são metafísicas ou psicológicas, não é
filosofia. Budismo está sempre falando acerca disso.Falando sobre
Buddha, Dharma e Sangha e estamos falando sobre a nossa vida a cada
momento. Buddha, Dharma e Sangha são vocês mesmos, sua identidade, seu
self. Vocês não podem achar em outro lugar. A iluminação também não é em
algum lugar fora daqui, as coisas estão exatamente aqui, agora. Porque
quando vocês existem todo o universo existe. Quando o universo existe
vocês existem.Mas a atividade mental pensa de forma diferente: o mundo
existe antes de eu ter nascido e o mundo existirá depois da minha
morte.Talvez seja verdade, mas o zen não está nas coisas da
atividade mental. Nós estamos falando sobre essa existência real, agora.
Quando ela existe o mundo existe. Quando o mundo existe, nós existimos,
porque o espelho está sempre vazio, totalmente vazio, por causa disso
todo o universo está dentro dele a qualquer momento, cem por cento, não
mais, não menos.Se vocês realmente alcançarem este ponto, se vocês
entenderem este ponto vocês compreenderam completamente ao mesmo tempo
os três selos do Dharma: a impermanência, as coisas estão mudando
momento a momento; nada tem self, nada tem identidade própria, existe
por si mesmo e terceiro, o nirvana, a tranqüilidade é exatamente aqui
agora.
Nós
temos a tendência de tentar resolver os problemas com a nossa atividade
mental, nós andamos assim nas nossas vidas.Muitos dos problemas podem
ser resolvidos dentro da sua atividade mental. Mas esta questão acerca
da verdadeira identidade, do verdadeiro si mesmo, da nossa verdadeira
natureza, da questão da vida e da morte, não pode ser dissolvida dentro
da atividade mental, não pode ser resolvida na psicologia, não pode ser
resolvida na ciência, nem na filosofia porque todas essas respostas,
nesses métodos, vem do dualismo. Esta questão de vida e morte está além
dessa atividade mental. Mesmo Shakyamuni Buddha levou seis anos para
realmente encontrar o truque da mente, do self. Levou seis anos para
alcançar o truque de todas essas coisas.Então este truque é uma boa
ferramenta para resolver os problemas. Mas ao mesmo tempo este método
cria a dor e a agonia. Mesmo que vocês encontrem respostas dentro da
filosofia, da ciência, estarão gerando esse sofrimento porque tem estes
dois lados, porque a resposta do dualismo é sempre tome este caminho ou
aquele outro, então esta dualidade cria dor e agonia ao mesmo tempo.
Então vocês têm que ir além deste truque da mente, então vocês serão
totalmente satisfeitos, então vocês entenderão que este momento é o
nirvana e a completa tranqüilidade.
Um
discípulo francês meu me disse: é fácil entender que as coisas estão
mudando momento a momento, mas é muito difícil entender que não há
identidade, que não há self, que o nirvana e a tranqüilidade estão aqui
agora neste momento. Mas se vocês forem além das suas mentes poderão
alcançar esta tranqüilidade. Vocês podem alcançar esta tranqüilidade
pelo verdadeiro zazen. Se vocês tirarem o conceito da sua mente tal como
bom ou ruim, ganho, perda, existência, não existência, se vocês tirarem
ambos os lados de concepção, o que restará? Vão mais fundo e alcancem
este ponto, além de todas as concepções.
Alguém tem alguma pergunta?
Pergunta: O que significa o verdadeiro zazen?
Resposta:
Estou falando do shikantaza. Shikantaza significa que qualquer coisa
que surge na sua mente você deixa ir sem se apegar a ela. As coisas
quando surgem na vida diária você tenta guardar, ficar com elas na
memória, mas não fazemos isto no shikantasa.Quando surgem coisas ruins
na nossa mente, na vida diária, nós tentamos afastá-las, tentamos
esquecer rápido. Em shikantaza também não fazemos isto. Quando vem
deixamos vir, quando vai deixamos ir. Não fazemos contatos, não tocamos
estas coisas. Nós deixamos passar. Se nós tentarmos guardar as coisas
boas ou nos livrarmos das ruins, isto é dualidade, como este lado,
aquele lado. Deixar ir e vir é ficar além desse dualismo. Você consegue
fazer isto no zazen. Este estágio é iluminação. Se você acordar para
isto você pode ir mais fundo.
Pergunta: Somos originados da vacuidade e para lá voltamos após a iluminação.Então por que o ciclo é necessário?
Resposta: Porque antes da iluminação você tem ilusão. Porque antes disso você sente dor e agonia, assim você cria o sofrimento.
Palestra
ministrada para a Comunidade Zen Budista de Florianópolis e amigos, na
abertura oficial da Sede da Comunidade, em Florianópolis no dia 03 de
outubro de 2006.
Decupada da gravação e digitada por Jane Denkô.
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